Imagens da Paisagem – Jornal do Brasil / 1979
… quem lhe acompanha mais abrangentemente a obra, há de surpreender-se no primeiro contato com a série que agora nos traz. Já não se pode dizer, dessa pintura, que seja só pintura, como antes tinta aplicada a um suporte de madeira. Já não se deve, também, aponta-la como um retrato retocado, avivado, estilizado da paisagem mineira, em suas camadas minerais e vegetais. Tornou-se a própria terra sendo pintada e limitada pelos quatro cantos de uma caixa-moldura com tampo de vidro, presa à parede. Tornou-se, além do mais, uma paisagem que serve só de motivo, de pretexto para que, através dela, o artista analise a estrutura do quadro, a ambiguidade da imagem como resultante de um outro real – enfim, a questão mais central em toda a história da pintura; a realização entre o que está dentro e fora da coisa pintada.
Essa vigorosa surpresa que nos dá atualmente Vieira (e que, no fundo, é apenas um desdobramento radical, mas consequente, de sua agradável pintura anterior) faz pensar no Magritte de obras como A CONDIÇÃO HUMANA E A VINGANÇA, duas esplendidas pinturas que discutem a pintura, discutindo o quadro ou a dualidade real/imagem. Na série de agora, do pintor mineiro, um dos trabalhos mais óbvios neste sentido é aquele em que há um quadro dentro de um quadro, dentro de outro quadro, revezando a presença da moldura real e da moldura pintada. Mas a questão do ver do real e do ver na imagem continua discutida, menos explicitamente, em todas as pinturas-montagens da série: nas terras que ali estão como terras, realmente, ou como imagens referindo a terra; nos craquelés do solo, que são craquelés da tela; nos desenhos que o chão naturalmente abre, como se antecedessem os traços obtidos pela mão do homem. O que antes, em Roberto Vieira, era a visão de fora da paisagem, a sua epiderme, transformou-se de repente no toque desde dentro dela. O artista rompeu a superfície pintada, mergulhou fundo e veio à tona com os materiais do mundo que a imagem retoca e, ao retocar, esconde. Deixou que o coração das minas/pinturas pulsasse à luz clara do dia.
Roberto Pontual