Paulo Laender para Roberto Vieira – Exposição | ROBERTO VIEIRA | Pace Arte Galeria Novembro 1996
A visita à exposição de ROBERTO VIEIRA me causou duas surpresas prazerosas: A constatação da maturidade da sua obra e o exemplo primoroso de que plasticidade passa por materialidade.
No momento em que a 23a. Bienal de São Paulo acontece como mega espetáculo baseado na premissa da “desmaterialzação da obra de arte no final do milênio”, é reconfortante e lentador ver o conjunto de obras recentes, concebidas sobre densa base de matéria, desse artista complexo e profundo. Roberto arquiteto e músico por formação, já trazia desde sua chegada à escola de arquitetura em Belo Horizonte, vindo de Juiz de Fora, a semente de sua pintura telùrica.
Nascido e crescido entre montanhas e contaminado pelo expressionismo de sua cidade onde
Roberto Vieira já precursava Carlinhos e Nívea Bracher. Aquela época, anos 60, afligidos pelo panorama político do país, conhecíamos as suas atormentadas paisagens e naturezas mortas executadas já com o talento e o metier de um grande pintor.
Nos encontrávamos no Grupo Oficina (fazendo litogravura junto com Lótus Lobo, Klara Kaiser e Lúcio Weik) e na escola de arquitetura. Roberto com seu cigarro no conto da boca a fechar-lhe um olho e sua sandália franciscana, parceira até nas peladas do futebol de salão onde, diga-se de passagem, sua figura excêntrica se revelava boa de bola.
O temperamento forte e independente o levou a caminhos e experiências diversos, quase sempre não assimilados pelo público ou pelo mercado de arte, porém em momento algum seu laboratório experimental conheceu retrocesso.
Por todos estes anos acompanhei Roberto à distância percebendo e anotando suas mudanças, sua evolução, e a permanência constante de sua ligação com a terra.
Hoje, assentado há algum tempo em Tiradentes, ele nos apresenta sua “antologia telúrica”. Histórias encerradas em caixas a nos induzir à leitura da obra completa, bastante em sí e terminada, anos seduzir com um sentimento arqueológico do mundo. Cacos de vidro, cerâmicas quebradas, galhos secos, arame farpado, rosas de plástico, tecidos, pintura, se misturam às terras, matéria básica na composição de suas peças que abrigadas em caixas quadradas tampadas com vidro, se transformam nas obras finalizadas. Arcanos que adquirem novos e inusitados significados a partir dos elementos que as originam. Assim, “Rosas de Barro”(o título é meu pois as peças expostas não estão denominadas) cristalizando de forma surreal a essência da flor, transborda de romantismo e abre a sala principal da exposição. É como se o artista nos oferecesse, à chegada, um buquê de rosas à sua maneira, na sua linguagem.
A disposição da montagem, bem como a realização dos trabalhos com seu acabamento primoroso, atestam planejamento e qualidade. Nos encontramos como que dentro de um livro tri-dimensional onde cada obra faz parte de uma seqüência e é página viva da trama que culmina com uma série de cinco caixas dispostas ao fundo da galeria. Impregnada de tons escuros, quase soturnos a conferir-lhes densidade, compõem o que chamei de “Sala do Mistério”.
O que existe dentro dessas caixas que as torna tão misteriosas e ricas de sentido e plástica?
Picasso dizia que o bom artista é aquele capaz de transformar sua mentira numa grande verdade. Arte também é “fake” e nisso Roberto mostra competência. Me dizia ele (…) a respeito de uma das peças elaboradas a partir de pedaços de arame farpado, pátnas e matérias agregadas: “Veja não é mais arame farpado, é Polock” em alusão à “action paiting” do grande artista americano. Outra obra, um conjunto executado com pedaços de molduras, adquire com pintura e efeitos, nova conotação e se transmuta numa forma nova desvinculada da sua matéria de origem. Em alguns trabalhos o uso de capas de tule sobre a composição sugere adensamento e transposição de véus temporais aprofundando a percepção até a matriz telúrica, a mesma ainda intacta desde as primeiras obras no começo da carreira, revelada novamente agora com o depuramento e a evolução que só o tempo permite. Salve Roberto Vieira, velho dinossauro, sua grandeza artística nos emociona, valoriza e reúne seus contemporâneos que o acompanham ao longo deste percurso.